Cuidar do corpo para cuidar da mente

Vivemos um momento em que a interface entre saúde física e saúde mental está cada vez mais clara: cuidar do corpo por meio de atividade física, sono de qualidade, alimentação e práticas corporais traz benefícios mensuráveis para bem-estar psicológico, redução de sintomas de ansiedade e depressão e manutenção da cognição ao longo da vida.

Michele Espindula - Ergonomista

Por Michele Espindula - Ergonomista

25 Novembro 2025

Vivemos um momento em que a interface entre saúde física e saúde mental está cada vez mais clara: cuidar do corpo por meio de atividade física, sono de qualidade, alimentação e práticas corporais traz benefícios mensuráveis para bem-estar psicológico, redução de sintomas de ansiedade e depressão e manutenção da cognição ao longo da vida.


Evidências científicas mostrando como o corpo transforma o cérebro


Cuidar do corpo não é apenas vaidade nem rotina de autocontrole. É, literalmente, uma intervenção sobre o cérebro. Em duas décadas de pesquisa em neurociência, psicologia e medicina comportamental, acumulou-se uma evidência robusta: movimento, sono, alimentação e práticas corporais modulam o humor, a cognição e a saúde emocional.


A seguir, um panorama científico completo sobre como o corpo influencia a mente e por quais mecanismos isso acontece.


Evidência de que mover o corpo melhora o humor e reduz sintomas depressivos


Revisões sistemáticas e meta-análises de ensaios clínicos randomizados mostram que o exercício físico tem efeito moderado a consistente na redução dos sintomas de depressão, inclusive quando comparado com intervenções ativas. Esses efeitos aparecem tanto para exercícios aeróbicos quanto para programas estruturados de resistência e parecem ocorrer em diferentes populações (adultos, idosos, pessoas com doenças crônicas), embora o tamanho do efeito varie conforme a intensidade, duração e comparação do estudo. BMJ


Hoje, já não há dúvida: atividade física é tão eficaz quanto algumas abordagens tradicionais para reduzir sintomas depressivos, especialmente em quadros leves a moderados.


Uma das revisões mais amplas da literatura, publicada em British Journal of Sports Medicine, analisou 97 estudos controlados e concluiu:


Programas de exercício físico (aeróbico, resistência ou combinados) apresentam efeito moderado a grande na redução de sintomas depressivos, com benefícios semelhantes a tratamentos convencionais.


Referência:

·        Singh et al. (2023). Effectiveness of physical activity interventions for improving depression.

DOI: https://doi.org/10.1136/bjsports-2022-106742

Outra meta-análise clássica da American Journal of Preventive Medicine reforça que exercício regular reduz risco futuro de depressão, atuando também como prevenção.

·        Schuch et al. (2018). Physical activity and incident depression: a meta-analysis.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.amepre.2018.01.020

 

Atividade física e ansiedade: proteção e alívio


Revisões observacionais e intervenções indicam que níveis regulares de atividade física atuam como fator protetor contra sintomas ansiosos e podem reduzir a gravidade de transtornos de ansiedade. A qualidade metodológica dos estudos varia, mas o padrão geral sustenta um efeito benéfico — tanto para prevenção quanto como complemento a tratamentos convencionais. PubMed


No campo da ansiedade, o padrão se repete: pessoas fisicamente ativas apresentam menor prevalência de transtornos ansiosos, e programas estruturados de exercício reduzem a intensidade dos sintomas.


Uma revisão abrangente publicada em Depression & Anxiety concluiu que exercícios aeróbicos reduzem significativamente ansiedade em diferentes populações, inclusive com transtorno de ansiedade generalizada.


·        Aylett et al. (2018). Exercise in the treatment of anxiety disorders.

DOI: https://doi.org/10.1002/da.22728

Outra revisão sistemática mostrou que exercícios de intensidade moderada parecem produzir o melhor equilíbrio entre eficácia e adesão.

·        Stubbs et al. (2017). Anxiety and physical activity: A systematic review and meta-analysis.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.jad.2016.10.020

 

Sono: pilar essencial para saúde mental


Intervenções que melhoram a qualidade do sono produzem ganhos relevantes em medidas compostas de saúde mental incluindo diminuição de sintomas de depressão, ansiedade e ruminação. Há relação dose-resposta: quanto maior a melhora objetiva/relatada do sono, maior a melhora na saúde mental. Assim, estratégias que visam higiene do sono (rotina, reduzir exposição a telas à noite, horários regulares) não são “apenas” descanso são intervenções de saúde mental. PMC


A qualidade do sono é um modulador direto da regulação emocional. Melhorar o sono reduz sintomas de ansiedade, depressão e irritabilidade, com efeito maior do que muitos imaginam.


Uma meta-análise de 72 estudos mostrou que intervenções para melhora do sono (especialmente Terapia Cognitivo-Comportamental para Insônia) produzem melhora significativa na saúde mental como um todo.


·        Scott et al. (2021). Sleep improvement and mental health outcomes: systematic review and meta-analysis.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.smrv.2021.101556

Outro estudo famoso publicado em The Lancet Psychiatry demonstrou que melhorar o sono reduz paranoia, ansiedade e humor deprimido em jovens adultos.

·        Freeman et al. (2017). The effects of improving sleep on mental health (OASIS trial).

DOI: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(17)30328-0

 

Força e treino resistido: benefícios para cognição, especialmente em idosos


Além do benefício sobre humor, o treinamento de resistência (musculação) tem sido associado a melhorias na função cognitiva de adultos mais velhos receitando-se não apenas para força e funcionalidade, mas também como estratégia para preservação da memória, atenção e funções executivas. Programas regulares de resistência são, portanto, recomendados como parte de uma abordagem integral para saúde cerebral ao envelhecer. PubMed+1


Além de melhorar humor, o treinamento de resistência (musculação) também preserva e aprimora funções cognitivas, principalmente em adultos mais velhos.


Uma revisão publicada em Sports Medicine analisou 33 estudos e concluiu que treinos de força melhoram memória, funções executivas e velocidade de processamento.


·        Liu-Ambrose & Donaldson (2019). Resistance training and cognitive function in older adults.

DOI: https://doi.org/10.1007/s40279-019-01167-z

Outra meta-análise reforçou a mesma conclusão:

·        Herold et al. (2020). Resistance training and cognitive performance.

DOI: https://doi.org/10.3389/fnagi.2020.00094

 

O eixo intestino-cérebro (gut-brain axis): dieta, microbiota e humor


Pesquisas emergentes incluindo revisões recentes mostram que a composição do microbioma intestinal e os sinais bioquímicos do trato digestório influenciam o sistema nervoso central por vias imunológicas, metabólicas e neurais (incluindo o nervo vago). Alterações na microbiota têm sido relacionadas a transtornos do humor; intervenções dietéticas e alguns probióticos demonstraram modulação de sintomas em estudos preliminares, embora a tradução para recomendações clínicas ainda esteja em desenvolvimento. PMC


O intestino conversa com o cérebro por vias nervosas, hormonais e imunológicas. É o chamado eixo intestino-cérebro.

Uma revisão publicada em Nature Reviews Gastroenterology & Hepatology descreve que:


Alterações na microbiota intestinal podem influenciar humor, ansiedade e comportamento por meio de modulação inflamatória, neurotransmissores e sinalização pelo nervo vago.


Referência:

·        Cryan et al. (2019). The microbiota-gut-brain axis: pathways and mechanisms.

DOI: https://doi.org/10.1038/s41575-019-0157-z

E uma meta-análise recente mostrou que dietas ricas em alimentos integrais e padrões mediterrâneos reduzem sintomas depressivos.

·        Firth et al. (2019). Dietary intervention and depression: meta-analysis.

DOI: https://doi.org/10.1016/S2215-0366(19)30078-0

 

Mecanismos biológicos


As conexões entre corpo e mente ocorrem por múltiplas vias interligadas:


  • Neurotransmissores: exercício aumenta liberação de serotonina, dopamina e endorfinas, que regulam humor.
  • Fatores neurotróficos: atividade física eleva BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), promovendo plasticidade e saúde neuronal.
  • Inflamação: dieta pobre/sedentarismo elevam marcadores inflamatórios que se associam a depressão; atividade física e dieta anti-inflamatória reduzem esses marcadores.
  • Sono e recuperação: sono restaura homeostase neuronal e regula emoções.
  • Eixo imune/microbiota: metabolitos microbianos alteram neurotransmissão e respostas inflamatórias.

(Os pontos acima resumem consenso científico atual; cada item tem literatura extensa de apoio.)


Recomendações práticas baseadas em evidências


Atividade física regular


Objetivo inicial: pelo menos 150 minutos/semana de atividade aeróbica moderada (ex.: caminhada rápida) ou 75 minutos de atividade vigorosa, conforme tolerância, somado a 2 sessões semanais de resistência (ex.: exercícios com peso corporal, máquinas ou halteres). Mesmo pequenas quantidades (aumentar passos diários) já trazem benefícios mensuráveis. BMJ+1


Priorizar o sono


Rotina consistente (mesmo horário para dormir/levantar), ambiente escuro e fresco, e reduzir telas antes de dormir. Se houver insônia crônica, procurar intervenção (terapia cognitivo-comportamental para insônia tem evidência). Melhorar sono melhora diretamente sintomas de ansiedade e depressão. PMC


Alimentação e microbiota


Dieta rica em alimentos in natura (vegetais, frutas, grãos integrais, peixes ricos em ômega-3, oleaginosas) e pobre em ultraprocessados favorece o equilíbrio microbiano e reduz inflamação. Suplementos de ômega-3 apresentam efeito modesto em sintomas depressivos em meta-análises, especialmente quando combinados a outras abordagens. PubMed+1


Incluir práticas mente-corpo


Yoga, tai chi e exercícios respiratórios mostram redução de ansiedade/depressão em vários estudos — podem ser usados como complemento ao exercício e à terapia psicológica. PMC


Integração com tratamento clínico


Para transtornos moderados a severos, medidas corporais são complementares, mas não substituem avaliação médica/psicológica ou medicação quando indicada. Trabalhar em conjunto com profissionais de saúde é o caminho seguro.


A literatura converge para mecanismos bem estabelecidos:


• Neurotransmissores

Exercício aumenta serotonina, dopamina e endorfinas.


Referência:

·        Meeusen & De Meirleir (1995). Exercise and brain neurotransmission.

DOI: https://doi.org/10.2165/00007256-199519050-00003


• Fatores neurotróficos

Atividade física aumenta BDNF, essencial para plasticidade cerebral.

·        Huang & Reichardt (2001). Neurotrophins: roles in neuronal development.

DOI: https://doi.org/10.1006/scel.2001.0360

·        Dinoff et al. (2017). Exercise and BDNF: meta-analysis.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2017.02.015


• Inflamação

Sedentarismo e dieta ruim elevam inflamação, relacionada à depressão. Exercício reduz marcadores inflamatórios.

·        Miller & Raison (2016). Inflammation and depression.

DOI: https://doi.org/10.1016/j.biopsych.2015.05.001


• Microbiota

Compostos produzidos no intestino modulam respostas emocionais.

·        Sherwin et al. (2019). Microbiota and mental health.

DOI: https://doi.org/10.1038/s41380-019-0388-9


Recomendações baseadas em evidências


Atividade física

·        150 a 300 minutos semanais de atividade aeróbica

·         

o   2 sessões de treinamento de força

Referência: OMS (2020)

Link: https://www.who.int/publications/i/item/9789240015128

 

Sono

·        Rotina consistente

·        Reduzir luz azul à noite

·        Buscar TCC-I em casos de insônia crônica

Referência:

·        Freeman et al. (2017) (acima)


 Alimentação

·        Priorizar alimentos in natura

·        Consumir fibras, vegetais, frutas, ômega-3

Referência:

·        Firth et al. (2019) (acima)


 Práticas mente-corpo

Há evidência para yoga, meditação e tai chi em redução de ansiedade e melhora de bem-estar:

·        Cramer et al. (2018). Yoga for anxiety.

DOI: https://doi.org/10.1002/da.22762

 

Conclusão — por que “cuidar do corpo” ajuda a “cuidar da mente”


A literatura converge para a ideia de que intervenções que atuam sobre o corpo produzem mudanças mensuráveis no cérebro e no comportamento emocional. Movimento regular, sono de qualidade, alimentação equilibrada e práticas mente-corpo reduzem sintomas negativos, aumentam resiliência e favorecem cognição. São intervenções com baixo custo, muitos benefícios colaterais (cardiovascular, metabólico, funcional) e aplicáveis em diferentes fases da vida.


Leituras/referências selecionadas

  • Meta-análise / revisão sobre exercício para depressão. BMJ
  • Revisão sobre atividade física e ansiedade. PubMed
  • Revisão sobre intervenções de sono e impacto na saúde mental. PMC
  • Revisões/meta-análises sobre treino de resistência e cognição em idosos. PubMed+1
  • Revisões recentes sobre microbiota intestinal e saúde mental. PMC

 

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